Os posicionamentos do Tribunal de Contas da União, da Procuradoria Geral da República, da Ordem dos Advogados do Brasil, das entidades representativas da sociedade civil e das entidades de defesa do consumidor, já seriam suficientes para evidenciar que o PLC 79/2016 apresenta graves ilegalidades, e que em última análise caracteriza verdadeiro crime de lesa-pátria por conter dispositivos que geram enormes prejuízos ao erário público.
Num momento de grave crise econômica, propõe-se pelo projeto entregar a infraestrutura das telecomunicações nacionais, representada por um patrimônio de bilhões de reais, pertencentes à União, a grupos empresariais que não têm demonstrado competência gerencial e operacional na prestação adequada de serviços à população.
Nesta última semana, a Nota Informativa nº 129 de 2017 da Assessoria Técnica do Senado Federal, reforçou ainda mais todos os argumentos apresentados anteriormente pelas entidades acima, apontando inclusive “afirmação desarrazoada” do Presidente da Anatel, Sr. Juarez Quadros, na defesa do PLC 79. O trabalho ratifica aspectos que vêm sendo denunciados como inconstitucionais e que representam benefícios injustificados às atuais operadoras de telecomunicações, dos quais se destacam:
1. Bens reversíveis: abrimos aspas ao trabalho da Assessoria Técnica do Senado. “Como estes bens devem ser essenciais para a prestação continuada do serviço e por sua atualidade, toda a modernização efetuada na infraestrutura de redes, nos equipamentos e nos bens móveis e imóveis legados das empresas estatais privatizadas, bem como toda nova infraestrutura instalada indispensável a seu adequado funcionamento, também estão sujeitas ao instituto da reversibilidade. Cabe lembrar que a digitalização da planta estava prevista nas obrigações contratuais das empresas”. Desta forma “parece desarrazoada a recente afirmação do presidente da Anatel, ao defender que o PLC 79 livra a União de “um mico”, pois receberá de volta uma rede obsoleta”. Pelo contrário, todas as obrigatórias modernizações dessa rede se tornarão retornáveis à União ao final da concessão. Além disso, a intenção de repasse dessa infraestrutura de serviço público sem licitação para as atuais operadoras, excluindo a possibilidade de participação de outros grupos empresariais significa uma violação da Constituição Federal, por não proporcionar condições isonômicas aos participantes desse mercado, se constitui em um estímulo à concentração, facilitação à criação de oligopólios e quebra das condições contratuais por ocasião da elaboração dos contratos após a privatização de 1998. Estes mesmos argumentos foram explicitados pela Procuradoria Geral da República por ocasião de Consulta Pública em outubro de 2016.
2. Espectro de frequências perpétuo: ainda citando a Nota Informativa da Assessoria do Senado: “a atual redação da LGT permite a renovação do direito de uso de radiofrequência “por uma única vez”. Com o novo dispositivo, as empresas poderão renovar este direito de uso indefinidamente, criando uma espécie de autorização perpétua para utilização do espectro. O término do uso de radiofrequência implica a devolução da respectiva faixa ao Poder Público e uma posterior nova licitação. Com a regra sugerida pelo PLC 79, de 2016, as faixas já autorizadas, e renovadas, deixariam de ser objeto de nova licitação. A Anatel arrecadou cerca de 30 bilhões nas licitações de radiofrequências desde 1997. Ou seja, a União estaria abrindo mão de futuras arrecadações, favorecendo entes privados em detrimento do erário”. Mais uma vez também, caracteriza-se uma violação da CF pela não oferta de recursos públicos via licitação, no caso, o limitado e disputado espectro de frequências, configurando desestímulo à competição, e favorecimento aos oligopólios. A PGR externou essas mesmas preocupações, por ocasião da Consulta Pública citada. Nem mesmo os países mais liberais do planeta adotam procedimento semelhante com relação à utilização dos seus espectros de frequência.
3. Posições orbitais de satélites nacionais perpétuas: segue a Assessoria do Senado: “…entendemos que a supressão de processo licitatório para a exploração de satélite brasileiro e a possibilidade de um número indefinido de prorrogações na respectiva licença podem implicar queda da arrecadação para o erário e desestimular um ambiente de competição no segmento de satélites”. Da mesma forma, fica caracterizada violação da CF que requer que outorgas de serviços públicos sejam concedidas mediante licitação. Colocam-se semelhantes observações quanto ao estímulo à concentração e a facilitação à formação de oligopólios. Aqui também a PGR teve o mesmo entendimento da Assessoria do Senado.
4. FUST: “como os valores recolhidos junto ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações devem ser exclusivamente aplicados em serviços prestados em regime público, qual seria sua destinação com a migração das concessionárias para o regime privado?” Fica claro que este seria mais um benefício para as atuais concessionárias: fim do FUST, fim da possibilidade de universalização dos serviços de telecomunicações.
Um novo Marco Regulatório das Telecomunicações com foco na Banda Larga é uma necessidade para a nossa sociedade. No entanto, ignorar os posicionamentos técnicos que apontam ilegalidades e prejuízos ao erário público, negar o aprofundamento da discussão de seus termos, e insistir na rápida aprovação de um projeto que não beneficia a população, que pelo contrário vai impactá-la por décadas com serviços inadequados, não universalizados e com atendimento sofrível, representam insensibilidade e oportunismo.
Temos confiança de que a sociedade brasileira, cada vez mais esclarecida, saberá reconduzir o processo de mudança nas telecomunicações identificando corretamente aqueles que se interpuserem aos seus anseios. Neste sentido, várias entidades da sociedade civil protocolaram Representação na Procuradoria Geral da República buscando abertura de Inquérito Civil Público “a fim de que sejam apurados possíveis atos ilegais decorrentes do processo de revisão do marco regulatório das telecomunicações e que se adotem as medidas cabíveis para resguardar o interesse público”.
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